Pacientes e funcionários sofrem com falta de ar-condicionado em UPA de Sto.André
Trabalhadores denunciam problemas administrativos e gestão de “aventureiros” após entrada de nova organização social na gestão; Prefeitura rebate acusações
Trabalhadores denunciam problemas administrativos e gestão de “aventureiros” após entrada de nova organização social na gestão; Prefeitura rebate acusações
Uma combinação nada saudável de calor excessivo e ar-condicionado quebrado tem transformado a UPA Sacadura Cabral, em Santo André, em um ambiente insalubre e quase impossível de se permanecer por mais de alguns minutos. Pacientes e funcionários sofrem com as altas temperaturas e reclamam de problemas nos atendimentos, administração e até falhas no isolamento de casos envolvendo doenças contagiosas.
A publicitária Silvia Elen Dantas Pires, 24 anos, acompanhou o padrasto Jovicivaldo Ferreira dos Santos, 40 anos, durante oito dias de internação na UPA, no início de novembro, quando os termômetros marcavam picos de 40 graus de sensação térmica em São Paulo e no ABC.
Após sentir-se mal, Santos foi levado pela família para atendimento na UPA, onde detectou-se uma fibrilação cardíaca em uma espécie de pré-infarto. Ao ser internado, foi encaminhado diretamente para a ala vermelha da unidade, que é o local onde permanecem os pacientes mais graves em casos de extrema emergência.
“Como meu padrasto ficou 7 dias nesta ala e eu fiquei com ele por bastante tempo, presenciei muita coisa: idosos sendo entubados por conta do calor, médicos e enfermeiros reclamando das condições de trabalho, pessoas transferidas, outras jogadas em um canto ou outro e algumas cansadas de chamar por socorro que nunca vinha”, relatou Silvia Elen.
Ela também disse ter pedido autorização para levar um ventilador portátil que seria utilizado pelo padrasto, mas a administração da UPA não permitiu. “Se nós da família que estávamos saudáveis também enfrentamos quedas de pressão absurdas por lá, imagine a situação de quem estava doente. Isso é um absurdo.”
Ao reclamar na ouvidoria, a publicitária disse ter recebido um sonoro “não há como fazermos nada”. De acordo com ela, as condições insalubres se repetem nas áreas de raio-x, ala amarela (onde ficam outros casos de internação), pediatria, clínica médica e enfermagem. “Todo mundo lá está sofrendo.”
Uma outra acompanhante de paciente, que preferiu não se identificar, disse que pensou em acionar a Justiça para denunciar o que chamou de “descaso”, mas que preferiu não levar a denúncia à frente após o falecimento da mãe.
“Fomos à UPA Sacadura Cabral em novembro e minha mãe estava com dores de cabeça e tontura há 3 dias. Quando fomos atendidas, apenas olharam para ela, disseram que poderia ser uma vertigem e a mandaram de volta para casa. Retornamos com o mesmo problema no outro dia e constataram uma labirintite. Na quinta-feira desta mesma semana, ela faleceu. Era um caso de AVC, mas não pediram uma tomografia ou sequer encaminharam para a Santa Casa ou pronto-socorro para ver o motivo da dor. Lamentável”, relatou a filha.
Funcionários técnicos e administrativos também apontam problemas na UPA e chegam a cogitar pedidos de demissão em virtude da falta de condições de trabalho e saúde. Uma enfermeira chegou a passar mal de calor no meio de um atendimento.
Administração
A UPA Sacadura Cabral, assim como as demais de Santo André, são administradas por uma OS (Organização Social) chamada SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina), com contrato em vigor dede abril de 2022 e com término previsto para outubro de 2023.
O ex-funcionário administrativo da UPA Sacadura, José Maria Almeida Ribeiro, com formação de auxiliar de enfermagem, disse que já trabalhou em outras unidades de pronto-atendimento na cidade ainda durante a gestão da antiga administradora, a Fundação do ABC, e também no início da SPDM.
“Trabalhei muitos anos na Fundação e relutei em ir para a SPDM. Na Fundação, tínhamos problemas, mas muito orgulho de trabalharmos lá. Quando entrou essa nova OS, até o ventilador foi retirado da UPA Sacadura”, disse.
Ribeiro também afirmou ter sido demitido junto com outros funcionários apoiadores da gestão do atual prefeito Paulo Serra assim que a SPDM assumiu. Na opinião dele, os atuais gestores da saúde na cidade são “aventureiros” e desconhecem tanto a área técnica da saúde quanto as particularidades de Santo André.
“A atual gestora da Sacadura não tem qualificação para comandar uma UPA. Trocaram a antiga com 19 anos de experiência na área e trouxeram a atual de São Paulo sem conhecimento algum das especificidades da saúde andreense.”
Outros funcionários que não quiseram se identificar por temerem represálias também apontaram problemas administrativos, inclusive uma mudança na logística de atendimento que altera o registro de horário da entrada do paciente na UPA, prejudicando possíveis atestados de comparecimento para justificativas trabalhistas.
Com a mudança, o paciente chega à UPA e não tem a ficha aberta imediatamente. O registro da chegada da pessoa à unidade acontece apenas após a triagem, o que pode acontecer até uma hora ou mais depois da entrada da pessoa ao local de atendimento. A medida é considerada desnecessária e incompreensível por todos os funcionários entrevistados pela reportagem.
O vereador oposicionista Ricardo Alvarez (PSOL), que também acompanha a questão da saúde na cidade, disse que a área é muito complexa e exige suprimentos, profissionais e logística muito diversos.
“Sabemos que não é fácil gestar uma rede assim. Mas o que chama a atenção é que o prefeito, ao invés de assumir erros e buscar alternativas, esbanja recursos públicos em propaganda enganosa, como Fila Zero, por exemplo. Excesso de propaganda pode funcionar por um tempo, mas não todo tempo”, criticou o oposicionista.
A resposta
Por meio de nota ao ABCD JORNAL, a Secretaria de Saúde informou que a UPA Sacadura Cabral faz parte da rede de urgência e emergência e segue os mesmos protocolos de atendimento das outras cinco UPAs da cidade.
“Todas as unidades são administradas pela SPDM desde maio de 2022 e os indicadores são satisfatórios. As decisões de demissões e contratações de funcionários da unidade seguem critérios exclusivamente técnicos.”
Sobre os aparelhos de ar-condicionado, a Prefeitura diz que a manutenção já foi aprovada e o reparo deve ser concretizado nos próximos dias. “Por fim, informamos que a referida UPA está no cronograma de reformas do programa Qualisaúde e passará por ampla modernização em 2024, assim como já ocorreu nas outras cinco UPAs da cidade.”