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Destino da concha acústica de Santo André revolta movimentos culturais

Discussões sobre aterramento e mudança do equipamento para novo endereço ganham força após declarações do prefeito Paulinho Serra

  • Movimentos utilizam espaço para manifestações culturais semanalmente.
    Foto: Jany Martins
  • Por: Juliana Finardi
  • Publicado em: 12/01/2024
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Discussões sobre aterramento e mudança do equipamento para novo endereço ganham força após declarações do prefeito Paulinho Serra

Movimentos utilizam concha acústica para manifestações

Movimentos utilizam espaço para manifestações culturais semanalmente. Foto: Jany Martins

A polêmica envolvendo o destino da concha acústica de Santo André ganhou novo capítulo nesta semana e o descontentamento geral dos representantes da Cultura, políticos e dos jovens que utilizam o espaço.

As discussões acerca do aterramento do equipamento localizado na Praça do Carmo e possível construção de uma nova concha em frente a E.E. Dr. Américo Brasiliense, na Praça IV Centenário, também no centro, ganharam força após a confirmação do prefeito Paulinho Serra a respeito de um novo projeto para outro local em entrevista concedida a um jornal regional.

Desde novembro de 2021, quando a concha foi interditada para reforma (que acabou não acontecendo), o assunto circula entre as rodas culturais da cidade com o então boato de que o prefeito teria a intenção de retirá-la do local onde nasceu ainda no início dos anos 2000.

Na época havia uma intensa programação cultural em torno do que se chamava de Corredor de Cultura e era composto por um complexo de equipamentos em conjunto com as Casas da Palavra e do Olhar, Teatro Municipal, Museu e o teatro Carlos Gomes, além da própria concha que chegou a receber shows históricos como o de Arnaldo Antunes.

Com a ideia de oferecer uma programação constante e gratuita nos espaços culturais da área central, a administração do prefeito Celso Daniel, que governou de 1997 a 2002, queria valorizar a região. A origem do corredor era o projeto Centro com Vida do qual a comunidade andreense participava através dos grupos de discussão.

Eram outros tempos. Agora, até os integrantes do conselho de cultura foram pegos de surpresa com a definição da Prefeitura. “Durante o ano passado todo questionamos a secretaria de Cultura sobre a concha. Quando surgiram os boatos do aterramento, eles negaram e ninguém falava de destruição ou modificação da praça. Aliás, existe uma questão importante que é o tombamento da praça pelo Conselho de Patrimônio. No momento em que a concha estava fechada, a Prefeitura apenas nos apresentou uma proposta de cobertura”, diz Silvia Passarelli, que é membro do conselho de Cultura da cidade.

Professora aposentada da Federal do ABC, ela ainda permanece no programa de pós-graduação, planejamento e gestão do território da universidade. Mesmo mantendo-se atuante na área e nas discussões sobre a cultura da cidade, ela também afirma ter sido surpreendida com o mais recente posicionamento do prefeito.

“Isso foi uma surpresa para a cidade inteira, para todos nós enquanto sociedade civil e conselheiros. Não conhecemos esse projeto de requalificação da área central a que o atual prefeito se refere. É tudo escondido, tudo oculto e é um absurdo também porque não dá para dizer que o centro precisa ser requalificado”, critica Silvia.

A Praça do Carmo, aliás, é a mais antiga do centro da cidade e tem sua história completamente relacionada à catedral. O terreno para a construção da igreja foi doado em 1917 por Antonio Queirós dos Santos. Em 1919, Padre Capra, pároco da Igreja Matriz de Santo André, lançou a pedra fundamental para a sua construção.

De acordo com artistas e agente culturais da cidade entrevistados pelo ABCD Jornal, inclusive, a origem da decisão de se retirar a concha acústica da praça está em um descontentamento da igreja, que nunca gostou da localização do equipamento que traz tanto “barulho” para a área.

No final da década de 70, quando surgiu o calçadão, já existia uma demarcação em formato circular no chão da praça, uma espécie de pré-concha, e onde aconteciam apresentações também ao lado da igreja.

“Não tem sentido algum o prefeito levar a concha para outro lugar. Na entrevista que ele concedeu ao jornal, fala sobre dialogar com os movimentos, mas em momento algum houve qualquer contato. Já andamos muito atrás dele tentando conversar, fizemos manifestações, mas ele nunca parou para nos ouvir”, diz Diogo Mendes, arte-educador, artista visual, quadrinista e militante do Coletivo Cultural Vianinha e da Frente Cultural Popular.

O ponto central da discussão, na opinião de Mendes, é que a concha é um aparelho de cultura sem nenhum tipo de zeladoria e a administração que não estabelece integração alguma entre os espaços culturais da cidade. “As únicas atividades que acontecem na concha são porque os próprios movimentos de cultura realizam, só existe essa demanda de um lado. E outra coisa: os movimentos são compostos majoritariamente por pessoas periféricas e tirar o espaço de lá vai retirar também as pessoas da periferia que vêm fazer arte no centro.”

concha acústica de Santo André

Os círculos que se vê no piso à esquerda de igreja são indicações do antigo palco implantado no final dos anos 1970. Foto: Reprodução: reprodução Google Earth

Na opinião do vereador Ricardo Alvarez (PSOL), a concha é um patrimônio do povo de Santo André e tem de ficar onde está e onde foi construída. “A Concha está há muitos anos naquele lugar e é um espaço de ocupação, em especial dos jovens, para fazer música, tocar, dançar, poesia, se apresentar, enfim, é um espaço importante não apenas para a cultura, mas também porque as grandes cidades do Brasil perderam moradores no centro. A concha provoca a ocupação do centro, dá vida. Então, não é uma questão apenas da cultura, mas também uma questão urbana e é ali que deve ficar porque presta um serviço muito importante para Santo André.”

O MC e um dos fundadores do Sarau da Consciência, Pedro Simples, fala em um “desmanche da cultura periférica dos aparelhos públicos da cidade”. O Sarau é um dos movimentos que ocupa o local semanalmente. “Não faz sentido essa história de aterrar a concha. Achei desleal uma decisão desse tipo ser tomada passando por cima de todos e em uma época de férias como é janeiro.”

O Sarau e os demais movimentos culturais da cidade se reunirão no próximo domingo (14/01), a partir das 12h30, para discutir a destruição da concha acústica. O encontro pretende traçar ações de resistência.

Procurada na quarta-feira (10/01) pela reportagem do ABCD Jornal, a Prefeitura retornou, no dia seguinte, quinta-feira (11/01), com um pedido de prazo maior para responder aos questionamentos. Até o final da tarde desta sexta-feira (12/01) nenhuma das perguntas do jornal havia sido respondida. A assessoria de imprensa enviou, às 17h06 a seguinte nota: “A Prefeitura de Santo André informa que a retirada da concha acústica da Praça do Carmo está em estudo e que, para a definição de um novo lugar para o espaço, será aberto amplo diálogo com a comunidade cultural da cidade.”

folheto de manifestação sobre concha acústica

Movimentos culturais marcam encontro para o próximo domingo, quando pretendem debater a situação. Foto: Divulgação