
- Um mundo irreversível — e que virou bola de neve
- Perguntas como:
- A avalanche informacional é real — e já vivemos nela
- E o que isso afeta?
- E a nossa percepção de tempo mudou — e não foi para melhor
- O tempo ficou curto — e também o vínculo
- Hoje, a educação precisa se reinventar:
- Narrativas e reflexões — sem culpa, mas com urgência
- Perguntas que podem fazer a diferença
- Cenários reais que nos alertam
- Final com alívio: conexão é cura
Na tranquila Itaperuna (RJ), no dia 24 de junho de 2025, acompanhamos uma tragédia que parecia impossível: um garoto de 14 anos matou a tiros os próprios pais e o irmão de 3 anos. O queixo cai diante do horror — mas é mais devastador quando percebemos o que precedeu o acontecimento: um silêncio emocional que não era ausência de amor, mas uma conexão perdida em meio à avalanche de informações.
Ele parecia “o filho modelo”: bom na escola, educado, com regras de uso digital — e ainda assim invisível para a família. Chamava os pais de “personagens” em sua vida, dizia que “faria tudo que ela mandasse” — de quem? Da namorada virtual que cooptou toda sua atenção. Aquilo não foi crime de rebeldia — foi criatividade perversa de um jovem desconectado de si mesmo.
Um mundo irreversível — e que virou bola de neve
A tecnologia não é uma bolha temporária: ela chegou para ficar. Não será diminuída amanhã. Isso exige de nós um novo movimento — não para nos tornarmos experts em algoritmos, mas para compreendermos o que acontece no ambiente emocional da nossa casa digital.
Você não precisa estudar programação ou aprender a usar todas as redes. O que seus filhos mais precisam é que você os ajude a entender o que consomem, como consomem e o que isso provoca dentro deles.
As redes são intencionais: elas não mostram tudo, elas selecionam. São desenhadas para manter a atenção, e os conteúdos que aparecem têm um padrão, um viés, uma intenção — quase sempre invisível. E se seu filho não souber disso, pode virar presa fácil de ideias que nem percebe que o estão moldando.
Mas isso não significa que você precisa controlar tudo, nem virar um “policial da internet”. É mais simples (e mais poderoso) do que parece: basta ensinar seus filhos a pensar sobre o que estão vendo.
Perguntas como:
“O que te chamou atenção nesse vídeo?”
“Por que será que esse conteúdo apareceu pra você?”
“Você acha que esse vídeo quer que você sinta o quê?”
Essas perguntas, feitas sem julgamento, com curiosidade e escuta, funcionam como antídotos. São elas que ajudam seus filhos a construírem bússolas internas. Não é sobre impedir que vejam — é sobre fortalecer quem eles são enquanto veem.
E isso não exige horas por dia, nem supervisão em tempo integral. Exige apenas presença real nas conversas e a decisão de estar ao lado — não acima, nem atrás.
A avalanche informacional é real — e já vivemos nela
O mundo entrou na chamada Era Zettabyte: enquanto em 1986 armazenávamos 2,6 exabytes de informação, em 2020 já estávamos em 40 ZB — e espera-se mais de 175 ZB até o final de 2025.
Em 2022, havia 6 bilhões de usuários na internet — logo chegaremos a mais de 7 bilhões até 2030. Estamos todos conectados, o tempo todo, o tempo inteiro.
Hoje, uma pessoa consome em média 6h40min de tela por dia — e entre adolescentes, esse tempo ultrapassa 8 horas diárias.
Se na quinta série sobravam momentos de silêncio, hoje somos bombardeados: vídeos, músicas, mensagens, notificações, transmissões, e conteúdos ao vivo. Quem consome mais dados hoje, mensalmente, que o total do tráfego mundial de dados há vinte anos? Foi esse o ritmo de crescimento: exponencial, avassalador, implacável .
Há 20 anos, você assistia a três ou quatro comerciais por hora assistindo TV. Hoje, seu filho vê isso em menos de um minuto no TikTok ou YouTube Shorts — com trilha sonora estimulante, edição frenética, e estímulos visuais simultâneos. É uma overdose de gatilhos mentais que ativam dopamina — o neurotransmissor do prazer e da recompensa rápida.
Só que esse tipo de prazer não é neutro: quanto mais imediata a recompensa, menos espaço o cérebro infantil tem para desenvolver estruturas como atenção sustentada, resiliência, planejamento e criatividade profunda.
A criança que antes vibrava ao ler um capítulo inteiro de um livro de ação para descobrir um segredo no final, agora busca essa mesma “vibração” em vídeos de 12 segundos, onde tudo acontece em ritmo acelerado, mas sem enredo, sem espera, sem construção.
E o que isso afeta?
Reduz a tolerância à frustração
Enfraquece a memória de longo prazo
Cria dependência de estímulo externo
E a nossa percepção de tempo mudou — e não foi para melhor
O resultado? Uma sensação de que os dias estão mais curtos, menos férteis emocionalmente. Pesquisas mostram que quanto mais eventos percebemos (ou somos forçados a processar), mais rápido sentimos que o tempo passa . Como resultado, mesmo dias com duração normal parecem comprimidos: não sobra espaço para o afeto, para trocar experiências reais, para nutrir vínculos.
Estudos sobre privação digital (mesmo breve, de só 7 minutos) mostram que, sem celulares, ficamos inquietos, ansiosos, desconectados e sem uma referência clara do tempo . Logo, quando adultos não percebem — seus filhos estão mergulhados em telas, mas não estão presentes. Uma ilusão de hiperconexão que nada tem a ver com conexão de verdade.
O tempo ficou curto — e também o vínculo
A impressão de que o dia voa é real. E resta cada vez menos tempo para estar — de verdade. Falta fôlego para escutar, olhar nos olhos, sentir o que não se expressou com palavras. A tecnologia, ao invés de somar tempo, nos encurta emocionalmente.
Novo olhar, nova geração
Hoje, a educação precisa se reinventar:
Uso de telas não é vilão, é oportunidade — mas exige inteligência emocional, supervisão adequada e diálogo consciente.
Jovens construindo identidade na cultura digital precisam de escudos afetivos, não só proibições.
Pais precisam de orientação educacional — o que ministro em palestras — que vá além de “desligue o celular”, para “como conviver com o celular”.
Narrativas e reflexões — sem culpa, mas com urgência
Imagine outra família: o filho, então com 12 anos, estuda, joga nas tardes, posta nos stories, dorme cedo. Parece tudo bem — mas não estamos sabendo quem ele é quando desliga os aparelhos. Será que sabe pedir ajuda quando está triste? Será que já conversou sobre identidade, conflitos, medo do futuro? Esse silêncio emocional, essa ausência de conexão real, pode alimentar bolhas que crescem para dentro, sem barreiras.
A série Adolescência (Netflix, março/2025) nos apresenta Jamie, uma jovem tomada por discursos misóginos, firmes na “manosfera” — envolvidos em ódio e isolamento emocional . Ela mata, ao final, por sentir-se invisível. No caso do Brasil, o menino agiu como se os pais fossem hologramas: existiam, mas não eram vistos, ouvidos. A lógica que permeou a casa era a mesma: pais que acreditavam estar do “lado certo”, sem perceber que a disciplina sem vínculos cria terreno fértil para narrativas externas.
Perguntas que podem fazer a diferença
Você sabe o que seu filho realmente sente quando está online?
Já reparou quais vídeos, jogos, grupos, comunidades fazem parte do cotidiano dele?
Vocês têm rituais semanais sem telas — onde falam, brincam, trocam ideias?
Essas são práticas simples que constroem escudo afetivo, vínculo e humanidade. E quando surgem dificuldades — escolares, comportamentais, ou emocionais — muitas famílias se sentem perdidas entre o que a escola aponta, o que o filho sente e o que o dia a dia exige.
É aí que a neuropsicopedagogia entra como ponte entre os mundos: integrando o olhar clínico e educacional para compreender o que está por trás das dificuldades de aprendizagem, das crises de comportamento, ou das barreiras emocionais que tantas vezes aparecem em silêncio.
Com orientação parental individual ou em grupo, é possível ajudar famílias a enxergarem o que está nas entrelinhas do que o filho vive — sem culpa, sem fórmulas prontas. E nas palestras que já levo a escolas e espaços educativos, o foco é esse: traduzir o impacto das telas, dos algoritmos e do excesso de estímulo em ações possíveis para casa e para sala de aula.
Não é difícil — e não exige que você entenda tudo sobre tecnologia ou vire especialista em comportamento infantil. Educar nesse novo mundo não demanda um tempo absurdo — exige pertencimento. É sobre estar, mesmo que por pouco tempo, de forma presente, curiosa e real. É possível construir um caminho com mais equilíbrio, afeto e clareza, mesmo em meio às telas e às pressões do cotidiano. Com escuta profissional — por meio da orientação parental, das intervenções clínicas e dos projetos em escolas —, muitas famílias têm encontrado formas mais leves e eficazes de lidar com as dificuldades escolares, emocionais e comportamentais. Você não está sozinho nessa travessia — e juntos podemos encontrar caminhos possíveis e humanos para fortalecer sua família.
Cenários reais que nos alertam
Jamie, em “Adolescência
” (Netflix) — envolvida por comunidades misóginas, conversa mentirosa e falta de escuta, sufocada pela invisibilidade emocional.
O menino do RJ — tratado como “portador da normalidade”, mas isolado emocionalmente, tornou-se vítima (e ameaça) de um silêncio sem ruído.
Outros casos reais surgem em lugares onde jovens reagiram à solidão com comportamentos extremos — o comum, mas invisível, de uma presença sem escuta.
Esses casos nos mostram uma verdade dura, mas necessária: a solidão tecnológica é uma realidade concreta — e, muitas vezes, invisível. Ao contrário do que imaginamos, estar cercado de telas, mensagens, jogos e redes sociais não significa estar conectado de verdade. Muitos pais acreditam que seus filhos estão bem porque estão “ocupados”, “sociáveis online”, ou “sempre interagindo com alguma coisa”. Mas o que não vemos — e raramente perguntamos — é se essas conexões estão nutrindo ou esvaziando emocionalmente nossos filhos. A solidão hoje veste fones de ouvido, fala por emojis e muitas vezes se esconde atrás de um feed cheio. É uma ausência que se disfarça de presença — e por isso é tão perigosa.
Final com alívio: conexão é cura
Quero encerrar não com medo, mas com esperança. Há caminhos possíveis. Estar junto, reformular o diálogo, escutar de verdade — tudo isso cura.
Se seu filho tem dificuldades na escola, no comportamento ou parece distante mesmo estando perto, há formas de acolher e transformar essa realidade.
Esse texto reflete um pouco do que acredito e do que sustenta meu trabalho — na clínica, nas escolas, nas palestras e nas orientações com famílias. Se sentir que posso te ajudar nessa travessia, conheça mais em www.cibelebrisolanpp.com .
